ERC emite Diretiva relativa à separação entre conteúdos jornalísticos e publicitários/ comerciais
O Conselho Regulador da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social aprovou, no dia 19 de fevereiro de 2025, a Diretiva 2025/1, na qual dirige um conjunto de recomendações aos órgãos de comunicação social relativas à identificação e à separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos publicitários/ comerciais.
Com a adoção desta Diretiva, a ERC pretende atuar sobre uma problemática transversal ao sector, encorajando a adoção de boas práticas que garantam a independência e a autonomia editorial, o princípio da identificabilidade da publicidade, bem como o direito dos cidadãos de serem informados.
Esta iniciativa regulatória é tanto mais premente quanto as empresas de media enfrentam atualmente um contexto de significativos constrangimentos estruturais e financeiros e a necessidade de diversificar as suas fontes de receitas. Ao mesmo tempo, a hibridez entre jornalismo e publicidade e a erosão de fronteiras entre ambos colocam importantes desafios regulatórios.
A Diretiva incorpora os contributos diversificados e pertinentes que recebeu no seguimento da auscultação preliminar de um conjunto de entidades e, posteriormente, de consulta pública junto dos agentes do sector e de cidadãos, que se realizou entre setembro e outubro de 2024.
Em paralelo com a Diretiva, a ERC publica hoje o estudo “Separação entre Conteúdos Jornalísticos e Conteúdos Publicitários/ Comerciais | Abordagem Regulatória”, em que procedeu à análise aprofundada da questão, mobilizando múltiplas abordagens, de que se destaca um inquérito ao universo de órgãos de informação geral e de temática informativa e a consulta a entidades reguladoras congéneres europeias.
A Diretiva 2025/1, elaborada ao abrigo do n.º 1 do artigo 63.º dos Estatutos da ERC, e que revoga a Diretiva 1/2009, sobre publicidade em publicações periódicas, dispõe o seguinte:
CONSIDERANDOS:
a) Os constrangimentos estruturais financeiros que enfrentam atualmente as empresas de comunicação social têm originado a diversificação de fontes de receitas, designadamente por via do estabelecimento de relações contratuais, de natureza publicitária/ comercial, com entidades externas;
b) A hibridização de conteúdos acentua-se no contexto de rápida evolução tecnológica e, em particular, de não linearidade das plataformas digitais dos órgãos de comunicação social, dificultando o seu enquadramento na legislação sectorial em vigor;
c) A comunicação publicitária/ comercial vem assumindo novos formatos, designadamente pela apropriação das modalidades discursivas do jornalismo;
d) É cada vez mais frequente o estabelecimento de «parcerias» entre entidades terceiras, públicas ou privadas, e órgãos de comunicação social para a organização de eventos e outras iniciativas;
e) A identificação e separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos publicitários/ comerciais vem ganhando relevância a nível regulatório, designadamente por via do aumento de participações e denúncias junto da ERC. Estas participações e denúncias visam tanto órgãos de comunicação social generalistas, como especializados ou temáticos, de âmbito nacional, regional e local, afigurando tratar-se de uma problemática transversal ao sector;
f) A ERC é competente para zelar pela independência editorial perante, designadamente, os poderes político e económico, atribuições determinadas na alínea c), artigo 8.º dos seus Estatutos, e na alínea c), n.º 1, artigo 39.º da Constituição da República Portuguesa;
g) A ERC encoraja a adoção de regras e boas práticas em matéria de separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos publicitários/ comerciais em sede de autorregulação, de acordo com a previsão constante do artigo 9.º dos seus Estatutos;
PRESSUPOSTOS REGULATÓRIOS:
h) A salvaguarda da independência editorial implica a definição de uma clara esfera de proteção face aos interesses comerciais;
i) Independentemente dos novos formatos e designações que podem assumir os conteúdos publicitários/ comerciais, aplica-se aos conteúdos desta natureza que sejam inseridos em órgãos de comunicação social o enquadramento previsto no Código da Publicidade, considerando o disposto nas leis sectoriais e com as necessárias adaptações;
j) A publicidade rege-se pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor, tal como determinado no artigo 6.º do Código da Publicidade;
k) O exercício de funções jornalísticas é incompatível com atividades publicitárias, nos termos do regime de incompatibilidades definido no artigo 3.º do Estatuto do Jornalista;
l) Os titulares de cargos de direção ou de chefia na área da informação têm responsabilidades na salvaguarda da independência e da autonomia editorial, dispondo e podendo recorrer a vários mecanismos legais para esse fim.
O Conselho Regulador, com base na sua experiência regulatória e ao abrigo das suas atribuições e competências, pretende dirigir orientações e recomendações aos órgãos de comunicação social relativas à identificação e separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos publicitários/ comerciais. As recomendações assumem a forma de diretiva, tendo em vista incentivar padrões de boas práticas, nos termos definidos na alínea c), n.º 2 do artigo 24.º, e no n.º 1 do artigo 63.º dos Estatutos da ERC.
RECOMENDAÇÕES:
Princípios gerais
1. Os conteúdos de natureza jornalística e os conteúdos publicitários/ comerciais devem ser claramente distintos e distinguíveis. Para tal, os órgãos de comunicação social devem garantir, de modo cabal e eficaz, a transparência das suas comunicações de natureza publicitária/ comercial.
2. Os órgãos de comunicação social devem respeitar o regime de incompatibilidades legais e ético-deontológicas aplicáveis à atividade jornalística.
3. Designações como «parcerias», «colaborações» e «apoios» são pouco evidentes, precisas e transparentes, no sentido em que não permitem que o público compreenda suficientemente a natureza do conteúdo divulgado - jornalística ou publicitária/ comercial. O recurso a tais designações deve ser sempre complementado com informação adicional sobre os respetivos termos.
4. Os conteúdos jornalísticos sobre matérias resultantes de «parcerias» ou «colaborações» entre o órgão de comunicação social e entidades terceiras devem revestir relevância editorial e conter explicitamente essa referência.
5. Os órgãos de comunicação social devem criar regras específicas para garantir a separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos publicitários/ comerciais, que poderão constar em códigos de conduta ou outros documentos de natureza deontológica do órgão de comunicação social.
6. A existirem, os códigos de conduta dos órgãos de comunicação social devem ser disponibilizados publicamente.
7. Os Conselhos de Redação (ou os jornalistas, na ausência destes) devem dar parecer sobre potenciais situações de conflito nesta matéria, ao abrigo do direito de participação dos jornalistas na orientação editorial e da competência daquele órgão prevista no artigo 13.º do Estatuto do Jornalista.
8. Os/as diretores/as de informação devem abster-se, em qualquer circunstância, de assinar contratos de natureza publicitária/ comercial com entidades terceiras.
Princípio da identificabilidade nos conteúdos publicitários/ comerciais
9. A identificabilidade da natureza publicitária/ comercial dos conteúdos deve resultar evidente e imediata para os públicos.
10. Para tal, a) devem ser utilizadas designações que indiquem claramente a existência de uma relação de natureza publicitária/ comercial, tal como «conteúdo comercial»; b) a designação deve surgir logo no início da divulgação; c) o anunciante deve ser identificado no início da divulgação; d) os conteúdos devem distinguir-se também do ponto de vista gráfico e/ou visual e/ou acústico.
11. Sempre que existirem ofertas, tais como viagens e alojamento, no âmbito da realização de um trabalho jornalístico, essa indicação deve surgir clara e evidente para os públicos.
12. Estas regras aplicam-se, com as necessárias adaptações e de acordo com as características técnicas, aos sítios eletrónicos dos órgãos de comunicação social e às suas páginas nas redes sociais.
13. No caso particular dos sítios eletrónicos dos órgãos de comunicação social, a natureza publicitária/ comercial deve ser identificada no conteúdo específico, bem como nos respetivos destaques na página de abertura e nas secções em que é publicado.
Princípio da incompatibilidade nos conteúdos jornalísticos
14. Os jornalistas titulares de carteira profissional ou de cartão de equiparado, de correspondente ou de colaborador, conferidos pela CCPJ, não podem conceber nem apresentar conteúdos de natureza publicitária/ comercial, atento o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto do Jornalista.
15. Nos termos da mesma norma, aos detentores de título habilitador para o exercício da profissão de jornalista está ainda vedada a angariação de conteúdos publicitários.
16. A participação de jornalistas, por via da sua notoriedade pessoal ou institucional, em iniciativas e eventos que decorrem de relações contratuais entre o órgão de comunicação social e entidades terceiras, deve ser determinada por critérios editoriais. De outra forma, será considerada atividade publicitária, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Estatuto do Jornalista.
17. Os conteúdos jornalísticos sobre matérias relacionadas com eventos, que decorrem de relações contratuais entre o órgão de comunicação social e entidades terceiras, não podem ser condicionados por qualquer tipo de indicação que restrinja a liberdade editorial.
Suplementos publicitários/ comerciais
18. As publicações informativas jornalísticas que distribuam suplementos publicitários/ comerciais devem assegurar que tais suplementos possuem ficha técnica própria que identifique a sua origem e autoria.
19. Tais suplementos e os seus conteúdos devem identificar a sua natureza publicitária ou comercial de forma clara e inequívoca, bem como o respetivo anunciante.
20. Tais suplementos não podem ser elaborados por jornalistas, atento o regime legal e ético-deontológico de incompatibilidades.
21. Tais suplementos, sendo de natureza não jornalística, não devem fazer referência ao cumprimento das normas do exercício da profissão de jornalista.
O Conselho Regulador da ERC,
Helena Sousa
Pedro Correia Gonçalves
Telmo Gonçalves
Carla Martins
Rita Rola